terça-feira, 1 de junho de 2010

Intuição

Era 1967.

Faltavam apenas 3 dias para o natal e ninguém parecia entender a estranha decisão de Marina de viajar de Fortaleza à Santos para atender a um capricho de seu pai.

Seu noivo suspeitava que fosse tão somente uma desculpa para rever o antigo namorado, ciumento como sempre. Seus tios negavam-se a emprestar o dinheiro da passagem de avião, argumentando que não haveria motivo para aquela súbita mudança de planos. Até mesmo seu irmão Rodrigo, sempre tão companheiro, não quis ajudá-la dizendo que era “bobagem do papai”, apenas saudade que logo ia passar.

Mas Marina sabia que tinha que atender aquele pedido. Nunca seu pai havia falado daquela forma, havia algo em sua voz. Não foi exatamente um pedido. Ele apenas disse: Filha, eu gostaria tanto que você estivesse aqui neste natal. Existia ali uma mensagem, isso ela sabia, podia ouvir nas entrelinhas. Não era dele dizer algo assim, não se lembrava de algum dia ele ter feito ou dito qualquer coisa que se assemelhasse a um pedido para si.

Esta certeza a fez mover montanhas. Conseguiu com uma amiga, cujo irmão era da aeronáutica, que viajassem num vôo de carga até o Rio de Janeiro. O pagamento pela passagem era levar essa amiga junto, que não conhecia São Paulo. Quando soube de seu intento, seu noivo ameaçou: se você for, está tudo terminado. Então adeus. Embarcaram na pior viagem de sua vida. Não existiam poltronas, apenas um banco na lateral do avião, totalmente desconfortável. Repleto de caixas por todos os lados. Muitas horas depois, anestesiadas de tanta dor nas costas e pernas, desembarcaram no Rio. De lá, pegaram um ônibus para Santos. Marina estava ansiosa para chegar. Faria uma surpresa a seu pai. Ficou imaginando seu sorriso franco e largo, seus doces olhos azuis, seu abraço amoroso, desses que a gente não quer mais soltar...

Ao chegar em casa e tocar a campainha quem abre a porta é seu irmão Rodrigo.

-O que você está fazendo aqui? Não quis me dar a passagem mas veio passar o natal com eles?

-O papai sofreu um acidente. Está no hospital.

Marina sentiu o chão desabar. Enquanto fazia sua odisséia para chegar até seu pai, ele havia sofrido um acidente vascular cerebral no navio onde trabalhava, e em decorrência, uma forte queda. Estava em coma.

Marina passou vários dias ao lado dele, no leito do hospital. Segurava sua mão, chorava e tentava dizer-lhe que ela não havia vindo por causa do acidente mas porque ele havia pedido. Logo após o ano novo chegar, ele partiu.

Seu noivo veio vê-la, pediu perdão, quis retomar o noivado, pois tinham planos sérios de casamento. Ela não aceitou. Nunca mais o viu, nem voltou para Fortaleza.

Uma noite, após chorar pelas perdas que havia sofrido, Marina teve um sonho. Estava em uma linda praia, sentada sobre uma pedra contemplando o mar. Seu pai chegou, pegou suas mãos entre as suas, beijou-as, e disse: Filha, eu sei que você veio atendendo ao meu pedido. Fique em paz. Beijou-a, acariciou seus cabelos e partiu, caminhando mar adentro.

Ao acordar ela soube que estivera com ele. E fez o que pediu. Seguiu em paz.

Um comentário:

Jeferson Cardoso disse...

Excelente narrativa.
Bom final de semana.
Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com