Deitados lado a lado, na mesma cama, pés encostados sob brancos lençóis, único sinal de ligação entre aqueles corpos, abraçados a seus travesseiros. No abismo dos anos só restara aquele contato furtivo, quase destituído de calor humano. Apenas bóia, transformada em âncora sorrateiramente no escorrer do tempo. Náufragos de um amor sonhado. Quarto cuidadosamente arrumado, porta retrato dos filhos sobre o criado mudo, livros empilhados, rádio relógio sobrevivente das pancadas nas manhãs sobressaltadas, e um suave perfume de lavanda. Seus olhos percorriam lentamente os objetos, num misto doloroso de saudade antecipada e ânsia de gravar-lhe os detalhes. Deliberadamente afastou seus pés do contato com aquele homem que tanto amara. Onde foi que se perderam? Havia uma paixão pungente, que incendiava qual rastilho de pólvora a um simples olhar... Havia uma ternura envolvendo todos os seus gestos e um desejo revestido em dádivas de prazer ao bem amado. Uma querência de contar seu dia, de ouvir-lhe histórias, de compartilhar escolhas. Seu sonho nutrido diariamente era amar aquele homem até o fim de seus dias. Assim se saberia feliz. Tão simples a vida lhe parecia. Agora sentia-se infantil por imagina-la como um conto de fadas. Alimentou-se de ilusões de tal modo que a vida fora posta na prateleira. Como o porta retrato do lindo casal, sorrindo a felicidade de um amor a dois. Foto. Momento. Recorte congelado de tempo.
Esquecera desligado o freezer. Derretido, esvaiu-se entre dedos...