terça-feira, 9 de março de 2010

nove


Era madrugada de sexta feira, 04 de maio de 2007. Sentada na janelinha do avião, contemplando a noite escura, pontuada de pequenos amontoados de luzinhas espalhados aqui e alí, de repente se deu conta que somava nove. Era uma velha mania sua, somar os números até sobrar um único inferior a dez. Sua vida era pontuada pelo nove. 4+5+2+0+0+7= 1+8= 9.
Sorriu. Aos 45 anos, 9 de novo, iria finalmente resgatar sua origem.
Essa é uma longa história, a ser contada em capítulos ou episódios diversos. Neste, voltamos apenas 2 meses antes, momento em que, assim, inesperadamente, sua mãe lhe revelara que seu pai biológico não era quem pensava. Mas outro, que conhecera e se apaixonara, sem jamais ter revelado a ninguém. Dele, tudo que sabia era o nome, a cidade em que morava (em outro estado), e uma vaga informação de que tinha um importante trabalho voluntário ligado à doutrina espírita.
Depois daquela conversa, embora tenha tranquilizado a mãe em seu arrependimento, sentiu o chão fugir sob seus pés. Pela quarta vez em sua vida, e esperava fosse a última, tinha uma nova revelação sobre sua origem.
Levou dois meses para processar isso tudo internamente e para contar com a ajuda leal e prestativa de uma amiga, que conseguiu localizar uma pessoa com o mesmo nome que o pai.
Na véspera, preenchida de uma súbita coragem, ligou para o telefone, confirmando tratar-se da mesma pessoa. Comprou a passagem e avisou a mãe, que entrou em pânico, nunca imaginando que aquela filha sempre tão dócil tomasse essa atitude.
E agora, nessas tres horas de viagem, contemplando estrelas, revia toda sua trajetória.
De alguma maneira, parecia haver um sentido, mesmo que desconhecido.
Sentia um turbilhão de emoções: medo, ansiedade, expectativa, alegria, tristeza. Não fazia a menor idéia de como falaria. Como chegar para um homem, que deveria ter cerca de 70 anos e dizer: Boa tarde, eu sou sua filha. Tudo podia acontecer. Podia levar a porta na cara. Podia nem recebê-la.
A única coisa que naquele momento realmente importava é que ela iria enfrentar com coragem a sua verdade, a sua origem. Sem subterfúgios. Sem intermediários. Sem mentiras ou meias verdades. E o que quer que acontecesse seria inteiramente seu.
Seria finalmente dona da sua história.

Um comentário:

Camilo Vannuchi disse...

Mais uma ótima surpresa que você nos traz. E que bom saber que um único blog ficou pequeno demais pra você.
Nosso amigo Rosa nos dizia que um rio é sempre sem antiguidade. Dá de renovar todo tempo. Já eu, gosto mesmo é de discordar dele e buscar as antiguidades dos rios em que navego: seixos redondos de tanta água, remansos cavados nas margens em tantas vazantes e cheias. Cicatrizes.
Às vezes, para conhecer o íntimo de um rio, é preciso fincar o pé no lodo até os joelhos. Ou pegar um avião, contemplando estrelas.
Duplo parabéns pra você.
Travessia.