sábado, 20 de março de 2010

Sinal verde


Cronica escrita a partir da frase "Sinal verde, atravessei pra lá do sol" de uma música de Sérgio Ricardo. Exercício do Laboratório do Escritor.

Em mais da metade da minha vida tudo que tive foram imensos sinais vermelhos. Não, você não pode seguir em frente. Você tem obrigações. Você é mulher, tem que obedecer seu pai. Depois virou “seu marido”. Você tem que criar seus filhos. Cuidar da casa, do marido, das finanças, da empregada, do supermercado, do cachorro. Quem sabe lá, no fim da fila, sobrando um tempinho, você se cuida um pouco.

O tempo passou. Os filhos gradativamente foram tomando seu rumo, tornaram-se bons profissionais, pessoas de bem, fizeram suas escolhas amorosas e formaram suas próprias famílias. Assim como deve ser, afinal nós os criamos para a vida ou para alimentar egoisticamente as nossas carências? Tudo bem que muitas vezes, ou quase sempre, não gostamos muito de algumas dessas escolhas, mas a vida é mesmo deles, assim como os erros e acertos. Levamos um bocado de tempo e sofrimento pra aprender a lidar com isso.

Quanto ao marido, bem, fiz o que me mandaram. Segui as regras, cuidei dele, fechei os olhos muitas vezes, engoli a mágoa e engavetei a raiva. O sinal vermelho sempre presente.

Até que um dia ele se foi. Literalmente. Teve um enfarte fulminante. Detalhe: transando com a amante num luxuoso motel da cidade. Desgraçado. Eu tinha que economizar até na pasta de dente.

Abriu o sinal amarelo. A essa altura do campeonato eu já contava 62 anos. Tinha 5 lindos netos, adoráveis. De vez em quando, a minha filha caçula inventava de viajar com o marido, pra apimentar a relação e deixava os 2 pequenos comigo. Eu os adoro, mas ficava exausta. Não conseguia negar, achava que era minha obrigação. Também não me permitia sair à noite com as amigas pra dançar, paquerar. Imagina, que absurdo, na minha idade... Só um cineminha, uma viagem pra Águas de São Pedro, Pousada do Rio Quente. Sinal amarelo.

Aos 70 anos,me libertei. Me apaixonei por um gato maravilhoso de 65 anos, um garotão cheio de vida, bem humorado, culto, também viúvo. Estamos nos descobrindo e curtindo a vida juntos, parecemos adolescentes no encantamento. Mas saboreamos melhor do que eles porque valorizamos o tempo e aprendemos muito. O sexo? Nunca soube antes o que era prazer. O amor e o tesão, e uma pilulazinha azul, dão um jeitinho em tudo.

Sinal verde, atravessei pra lá do sol, na Ilha de Santorini, na Grécia, onde sempre desejei ver o céu tingir-se de vermelho...

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